08/07/2008

Por dentro do Newseum

Por Flávia Tavares, de Washington*



Meu amor pelo jornalismo é bandido. É de segunda mão. Não tem aquela inocência do primeiro amor, sabe? Tive outras duas tentativas de carreira antes de fazer faculdade na Cásper Líbero. Fiz jornalismo pra ver no que ia dar, não tinha vontade de mudar o mundo nem nada. Aí, quando fui ver, já era tarde. Entrei na faculdade, me apaixonei por essa coisa de lide e pirâmide invertida (tudo que é invertido me atrai) e comecei a trabalhar que nem uma louca... Acho que é assim mesmo com amores mais maduros, sem a afetação da adolescência, né? Vêm aos poucos, mas vêm com força.

Bom, tudo isso é pra dizer que o que vou relatar não é fruto de deslumbre.

Vamos começar com uma frase que poderia sair daqui direto pra uma camiseta do Gift Shop: eu visitei o Newseum e tive orgulho de ser jornalista. Pra quem não sabe, o Newseum é o museu da imprensa de Washington D.C., nos EUA. Claro que temos de levar em conta que ninguém tem o dom de apresentar qualquer assunto com imagens e recursos tão fantásticos como os americanos. Eles são os reis do display. Mas nada disso adiantaria se não houvesse um conteúdo consistente a ser mostrado. E eles têm conteúdo, isso têm.

O prédio do Newseum fica na Pennsylvania Avenue, a alguns metros do Capitólio, o que já é uma vitória. Você conseguir deixar um monumento ao jornalismo perto do centro do poder político e evitar a contaminação é uma conquista que poucos países no mundo podem exibir como troféu democrático. A primeira galeria que o visitante vê é de fotografia. São imagens ganhadoras de Pulitzer de vários anos. Só as fotos já seriam suficientes pra arrepiar, mas aí, no meio da galeria, tem uma salinha com um filme sendo exibido. Os fotógrafos contam como conseguiram a tal fotografia premiada. Depoimentos emocionantes, esclarecedores, inspiradores. Um deles – se não me engano era de um fotógrafo chamado John White – falou frases simples, mas que abriram meus olhos. Algo como “a função da fotografia é revelar ‘a glimpse of life’”. Não precisa mais do que isso. Não seria essa a função de todos os jornalistas? Eu gosto de crer que sim. Obrigada, White.

Acho que essa foi a galeria que mais me impressionou. Tanto que comprei um livro bárbaro das fotos expostas e trouxe na bagagem. O Gift Shop do Newseum, por sinal, é um capítulo à parte. Se for lá, separe algumas horas e alguns vários dólares pra gastar ali, que compensa.

Em seguida, a gente passa pela galeria da história da imprensa (acima) – com jornais que têm até 500 anos, passando pelos maiores escândalos cobertos pela mídia. Para se ter uma idéia da precisão dos caras, eles colocaram a porta grampeada do caso Watergate em exposição. Tá lá a porta, com o lacre do FBI, vê se pode. Tem também o bloquinho do jornalista que deu o furo das peripécias de Bill Clinton, com anotações do tipo: Monica Lewinski, intern???? Era ela mesma, coleguinha. Parabéns!


Mas a TV americana é mesmo o grande foco do museu. Uma tela gigantesca passa um filminho de uns 15 minutos só com imagens bombásticas de coberturas dos momentos mais importantes da história recente. Ou da história desde que a TV existe. Tem do assassinato do Kennedy ao 11 de setembro à Guerra do Iraque à morte da Lady Di ao homem pisando na lua ao movimento de luta pelos direitos civis ao John Lennon. Tá tudo lá. E num clipezinho bacana demais, que não poupa nem a eleição fraudulenta do Bush filho – e olha que ele está hospedado ali na Casa Branca, a poucos quarteirões do museu. Depois de assistir ao filme, você pode sentar numa cabinezinha interativa em que você escolhe qual daquelas reportagens históricas quer ver. Eu vi quase todas. Ficaria mais horas ali, revendo e aprendendo – o que fazer e o que não fazer também, porque, afinal, quem tem Fox News não pode se orgulhar muito, vamos combinar.

Aliás, isso é um defeito do Newseum. Vamos parar de babar ovo. Falta uma boa seção de autocrítica.


O que não falta, em compensação, é uma galeria inteira dedicada ao assunto de maior devoção dos americanos, o 11 de setembro (a terceira foto). A torre metálica de um dos prédios está lá. Dezenas de capas do dia 12 de jornais do mundo inteiro, também (O Estadão é o representante brasileiro nesse display, como também o é na seção “Today’s Front Page”, em que capas de jornais de todo o mundo estão expostas - seção na segunda foto). E tem caixinhas de lenço de papel na entrada da salinha em que um filme sobre a cobertura do episódio é exibido. Eu peguei lencinhos, mas não chorei.

Cartoons, rádio e internet também são contemplados no museu. Um pedacinho da galeria do rádio, na divisão com a galeria de TV, é em homenagem a Edward Murrow, aquele do Boa Noite, Boa Sorte. Vale a pena gastar um tempinho ali.

Pra encerrar, uma parede com nomes e fotos de 1.800 jornalistas mortos em serviço. Muitos deles americanos. Esse memorial, inclusive, dá para checar na internet: aqui.

Esses são apenas alguns atrativos do museu, que ainda tem, por exemplo, um espaço em que o visitante pode brincar de apresentador de TV (o preço desta seção, diga-se, é pago à parte e é de US$ 5. Para entrar no museu, paga-se US$ 20).

Eu sei que o jornalismo americano tem problemas. E muitos. Como o nosso. Como todos. Mas posso dizer que o que eu vi ali foram os pontos altos de um jornalismo que só contribui com a democracia. Que dá voz a quem não a teria de outra maneira. Que enche de orgulho uma repórter que não imaginava que poderia se sentir assim.


* Flávia foi uma das cinco repórteres selecionadas para um programa especial para jornalistas latino-americanos no Washington Post

3 comentários:

Anônimo disse...

uau, que prestígio uma jornalista tão importante por aqui. O texto está sensacional, adorei! Seja sempre bem-vinda, bj

Anônimo disse...

Poxa, que isso... a honra é toda minha. Peraí, é de mim que você tá falando, né? Vesti a carapuça de "jornalita tão importante" na maior cara de pau, veja você ;-)
Beijos da Flá

Anônimo disse...

claro que é você, eu já tô do outro lado do balcão faz tempo e confesso que sem saudades! bj